| [Publicado em 21/11/2017 00:00] [Guia: 2017.000515] (M460) EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE REDUÇAO À CONDIÇAO ANÁLOGA À DE ESCRAVO (ART. 149 DO CPB). TRABALHADORES SUBMETIDOS A CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO. INEXISTÊNCIA DE RESTRIÇAO À LIBERDADE LOCOMOTIVA. NAO CARACTERIZAÇAO DA CONDUTA CRIMINOSA. MERA ILICITUDE À LEGISLAÇAO TRABALHISTA. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇAO DOS RÉUS. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES.- Cuida-se de apelações interpostas pelos réus FRANCISCO LEORNE CALIXTO JÚNIOR e EXPEDITO CARLOS FONSECA DOS SANTOS contra sentença proferida às fls. 547/561, que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal, para condena-los à pratica do crime capitulado no art. 149 do Código Penal brasileiro, cada qual à pena de 3 (três) anos de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente aberto, substituída, cada qual, por duas restritivas de direitos a serem especificadas pelo Juízo da Execução Penal, e de 100 (cem) dias-multa, com valoração unitaria em 1/30 (um trigésimo) e em 1/10 (um décimo), respectivamente, do salario mínimo vigente à época dos fatos, absolvendo os denunciados Elairton Filgueiras de Menezes e Francisco Lazaro Ferreira Silva.- Irresignado com a sentença condenatória, o réu FRANCISCO LEORNE CALIXTO JUNIOR interpôs recurso de apelação, invocando as seguintes razões: a) os trabalhadores tinham regime de trabalho por produção e que, por tal circunstância, faziam os próprios horarios e os que laboravam na diaria iniciavam a jornada das 6 ou 7 horas da manhã, com intervalo de duas horas para almoçar por volta das 11 ou 12 horas e, em seguida, permaneciam no período da tarde até as 17 horas; b) a prova oral coletada evidencia que os trabalhadores só laboravam até o meio-dia do sabado e nunca aos domingos, não sendo obrigados a trabalhar; c) a prova dos autos demonstra que os trabalhadores não foram submetidos a trabalhos forçados ou jornadas exaustivas; d) nenhum trabalhador era proibido de deixar a fazenda, caso contraísse dívidas, tendo total liberdade de ir e vir; e) não houve condições degradantes de trabalho, pois era servida boa alimentação e a agua consumida pelos trabalhadores provinha de açude, que servia também todo o povoado da região, inclusive a Operação Pipa desencadeada pelo Exército Brasileiro; f) não ficou provado que os trabalhadores dormiam em barracos de lona, mas que os que moravam na fazenda dormiam em redes, no galpão feito de tijolo e telha com essa finalidade. As barracas de lona, na verdade, serviam para guardar ferramentas ou material de trabalho; g) os próprios trabalhadores, ouvidos em juízo como testemunhas, revelaram que não se sentiam humilhados ou envergonhados pelo trabalho que desenvolviam; h) as remunerações não eram inferiores a um salario mínimo; i) desempenhava o mesmo trabalho exercido pelos demais trabalhadores e que laborou na agricultura durante toda a sua vida dessa mesma forma, em formato de produção, sem carteira assinada e sem sofrer qualquer sujeição física ou mental; j) encontra-se na mesma situação dos denunciados Francisco Lazaro Ferreira Silva e Elairton Filgueiras de Menezes que foram absolvidos; k) na dosimetria da pena, não ha circunstâncias judiciais desfavoraveis, o que permite a fixação da pena base no mínimo legal de 2 (dois) anos; e l) deve incidir a atenuante de confissão e a redução da multa aplicada.- Também inconformado com a condenação sentencial, o réu EXPEDITO CARLOS FONSECA DOS SANTOS manejou recurso de apelação, sustentando, em suas razões recursais: a) não ha restrição à liberdade de locomoção dos trabalhadores; b) a sua função era apenas, na condição de engenheiro florestal, responsavel pelo plano de manejo florestal e o encarregado a levar dinheiro a Leorne, que efetuava o pagamento aos trabalhadores; c) os trabalhadores preferiam usar o "mato" ao banheiro para fazer as necessidades fisiológicas, em razão da cultura da região; d) o consumo de agua pelos trabalhadores diretamente do açude era o que faziam em suas casas; e) o trabalho era desempenhado por produção e sem horario fixo; f) os valores pagos aos trabalhadores eram justos; g) inexiste qualquer relato de repreensão física, coação, cerceamento de locomoção ou impedimento de deixar o trabalho; h) a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta entre a empresa e o Ministério Público do Trabalho regularizou a observância das normas trabalhistas; i) Os trabalhadores, ouvidos em juízo como testemunhas, afirmaram que detinham plena liberdade de locomoção e que havia fornecimento de alimentação, banheiros e agua filtrada; j) uma das testemunhas indicadas pela acusação, que era auditor fiscal do trabalho, chegou a declarar que nenhuma das testemunhas ouvidas em juízo o conhecia; k) a maioria dos trabalhadores morava nas redondezas e, por isso mesmo, dormiam em suas respectivas casas; l) um das testemunhas arroladas pela acusação, que era policial rodoviario federal, asseverou que não recebeu denúncia de impedimento de ir e vir; m) uma das testemunhas apontadas pela defesa explicitou que ele era o responsavel pelo plano de manejo florestal e foi contratado Leorne para lidar diretamente com os trabalhadores; e n) por fim, que é pessoa bastante simples e que se submeteu às mesmas condições dos trabalhadores.- O crime de redução à condição analoga à de escravo caracteriza-se pela pratica de uma das quatro modalidades descritas no tipo penal desenhado no art. 149 do Código Penal brasileiro, com a dicção dada pela Lei 10.803/2003: a) submissão a trabalhos forçados; b) submissão à jornada exaustiva; c) sujeição a condições degradantes de trabalho; e d) restrição da liberdade de locomoção, em razão de dívida contraída com o empregador. O tipo é misto alternativo ou de ação múltipla, configurando-se o crime mediante qualquer dessas modalidades, não se exigindo, necessariamente, a violência física (STF, Inq. 3564, 2ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 19/08/2014) ou a privação de liberdade (STF, Inq. 3412, Pleno, Rel. Min. Rosa Weber, j. 29/03/2012; STJ, HC 239.850, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, n. 14/08/2012). O § 1º do art. 149 do CPB ainda traz à colação as formas derivadas consistentes no cerceamento do acesso ao transporte, vigilância ostensiva e retenção de documentos. O consentimento da vítima é, a rigor, irrelevante, seja porque esta em jogo a dignidade da pessoa humana, que é indisponível, seja porque tal beneplacito sera, o mais das vezes, obtido de forma viciada, mediante fraude, coação ou erro.- Narra a peça acusatória que, entre 13 a 17 de outubro de 2008, um Grupo Móvel de Fiscalização, composto pelo Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal, encontrou, em area de responsabilidade da empresa LIBRA LIGAS DO BRASIL S/A, localizada na FAZENDA TABULEIRO, em Parambu/CE, 52 (cinquenta e duas) pessoas trabalhando sem o devido registro, submetidas a condições de trabalho e de vida em flagrante desrespeito às normas de segurança e saúde na Fazenda, situação que se iniciara em 2006, persistindo até a deflagração da operação. A sentença proferida pelo juízo a quo reconheceu a pratica criminosa dos réus por entender ter havido sujeição dos trabalhadores a condições degradantes de trabalho, afastando, por conseguinte, a perpetração dos tipos de submissão a trabalho forçado, à jornada exaustiva, e à restrição à liberdade de locomoção.- Em princípio, sera degradante a condição laboral a falta de instalações sanitarias adequadas e de agua potavel e alimentação suficiente e adequada. Não se considera, porém, condição degradante de trabalho a mera precariedade das acomodações dos trabalhadores.- Na hipótese dos autos, ficou provado, pela farta prova oral colhida na instrução processual, apenas a existência de condições degradantes de trabalho. No alojamento destinado a mais de 40 (quarenta) trabalhadores, existiam apenas redes para dormir, sem banheiros, nem lixeiras ou mesmo armarios, para guardar pertences. Além disso, a agua consumida pelos trabalhadores, armazenada em tanques e sem utilização de filtros, provinha de açude próximo, servindo para beber e tomar banho. Sem falar que os trabalhadores faziam as suas necessidades fisiológicas e tomavam banho em locais abertos, mais especificamente no "mato", não sendo, ainda, fornecido papel higiênico ou qualquer material de higiene, nem equipamentos de proteção.- Meras irregularidades ou ilicitudes à legislação trabalhista, tais como essas apresentadas neste caso, não configuram, necessariamente, perpetração de crime de redução à condição analoga à de escravo descrita no art. 149 do Código Penal brasileiro.- É entendimento pacífico do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que a simples submissão a condições degradantes de trabalho não se afigura suficiente para caracterizar o delito de redução à condição analoga à de escravo, sendo necessaria a comprovação da restrição à liberdade locomotiva do trabalhador por seu empregador. (ACR 12874, 4ª Turma, Rel. Des. Élio Siqueira, j. 15/03/2016, DJE 31/03/2016; ACR 9449, 2ª Turma, Rel. Des. (conv.) Ivan Lira de Carvalho, j. 16/06/2015, DJE 26/06/2015; ACR 11503, 2ª Turma, Rel. Des. Vladimir Carvalho, j. 21/10/2014, DJE 24/10/2014). Uma das situações em que isso pode ocorrer é com a servidão por dívida. A servidão por dívida consiste na restrição da liberdade do trabalhador em razão de dívida contraída com o empregador. Neste caso em particular, normalmente, o trabalhador depende do empregador para obter comida, roupas, remédios e até mesmo ferramentas necessarias ao desempenho da atividade laborativa.- Na espécie em cotejo, como se evidenciaram nos elementos de prova produzidos em juízo, não houve qualquer cerceamento ou embaraço à liberdade de locomoção dos 52 (cinquenta e dois) trabalhadores que laboravam na propriedade rural fiscalizada. Daí inexistir a necessaria tipicidade da conduta praticada pelos réus, impondo-se, por via de consequência, as suas respectivas absolvições.- Nesta linha de pensar, impende reconhecer a absolvição dos réus FRANCISCO LEORNE CALIXTO JÚNIOR e EXPEDITO CARLOS FONSECA DOS SANTOS, por não constituir as condutas imputadas de mera submissão a condições degradantes de trabalho, sem que tenha havido qualquer restrição à liberdade locomotiva, crime de redução à condição analoga à de escravo (art. 149 do CPB), de acordo com o disposto no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal.- Provimento das apelações dos réus.ACÓRDAOVistos, relatados e discutidos estes autos em que figuram como partes as acima identificadas,DECIDE a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento às apelações interpostas pelos réus, nos termos do Relatório, do Voto do Relator e das Notas Taquigraficas constantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado.Recife, 14 de novembro de 2017 (data de julgamento).CARLOS WAGNER DIAS FERREIRADesembargador Relator Convocado
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